sábado, 10 de julho de 2010

Meus Rituais


É madrugada. Hora em que escrevo.
Por que espero a noite? Talvez porque seja o único momento em que me encontro.
Ou reencontro, pois vivo me perdendo dentro de mim.
Apenas a luz de uma vela ilumina o meu quarto.
Som. Suave o bastante para que eu possa senti-lo caminhando pelas minhas veias...Lenta e obstinadamente. Uma paz estranha e lúcida me invade.
Solto os cabelos. Gosto da sensação de liberdade ao senti-los soltos, esquentando minha nuca, descendo pelas minhas costas. Aspiro o suave perfume que se espalha ao meu redor.
Os gatos... Sim, os gatos. Pressentindo a chegada deste momento, deitam e me observam - cientes de seu papel neste ritual quase que diário - olhos brilhantes, refletindo a luz da vela.
Estou pronta.
Ser ainda larval, experimental, que teme entrar em um universo desconhecido.
Em algum beco sem saída.
Começo a escrever e um desejo intenso, agudo, toma conta do meu corpo.
Ah,  o que seria de mim sem os rituais ? 

Helena Jorge

Irrealidade


Imenso tapete de folhagens coloridas.
Floresta que invade o espaço obscuro da sala...
Deitada, repouso o meu copo nu sobre as flores, sinto na pele o toque suave delas.
Adivinho o teu rosto que emerge da sombra...
Me contemplas.
Tua aproximação causa um estranho alvoroço dentro do meu corpo e é como se milhões de borboletas finalmente conseguissem romper o casulo que as aprisiona e saíssem, asas ainda úmidas, a voar loucamente dentro de mim...
E assim como a mais fina seda, meu corpo vai bebendo os desenhos do tapete... Ramos e flores criam vida e crescem, avançam sobre mim...
Tatuagens.
Mergulhas em mim – pescador de pérolas.  Ruge o mar em nossos corpos e o ar alcança uma intensidade quase insuportável...
Sinto como se toda a minha vida estivesse resumida neste instante irreal...

Cavalos alados, medusas, unicórnios, pombas giras e dragões
emergem do tapete ...
passeiam  em nossos corpos...
Sobrevoam alucinados e dançam freneticamente sobre nossas cabeças...
Uma serpente dourada nos enlaça, nos une ainda mais.
Personagem que nos desvenda e cria.
Recria.
Eternamente.


Helena Jorge